O IMAGINÁRIO NA EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM
INTERDISCIPLINAR: UMA ANÁLISE DO DESENHO INFANTIL
Edvania Rodrigues Neves
Maria Auxiliadora Fontana Baseio
RESUMO
Pensar nas contribuições do imaginário no processo de aprendizagem significativa a
partir do desenho infantil é relevante ao desenvolvimento da criança. O desenho, livre
expressão do imaginário, revela-se de extrema valia ao progresso das estruturas
motoras, psicológicas, cognitivas e afetivas desse indivíduo, pois esta atividade
simbólica e lúdica abrange vários aspectos envolvidos na expressão de sentimentos
e possibilita a compreensão do mundo. Além disso, oportuniza o entendimento das
relações consigo e com o outro. Esse estudo propõe uma pesquisa teórica
correlacionando os conceitos a partir dos autores Jean Jacques Wunenburger e
Florence de Meredieu. Dessa forma, pretende analisar a expressão do imaginário
infantil nos desenhos realizados na escola, propiciando a construção da linguagem,
bem como o desenvolvimento do pensamento abstrato, de maneira que influencie na
aquisição de novos saberes, valores, atitudes, habilidades e técnicas, refletindo na
maneira de agir, sentir e pensar, para uma aprendizagem efetiva.
Palavras-chave: Imaginário. Desenho infantil. Aprendizagem.
ABSTRACT
Thinking about the contributions of the imaginary in the process of meaningful learning
from the child's drawing is relevant to the development of the student. The drawing,
free expression of the imaginary, proves to be extremely valuable to the progress of
the motor, psychological, cognitive and affective structures of this individual, since this
symbolic and playful activity covers several aspects involved in the expression of
feelings and makes possible the understanding of the world. In addition, it facilitates
the understanding of relationships with the person and with each other. This study
proposes a theoretical research correlating the concepts from the authors Jean
Jacques Wunenburger and Florence de Meredieu. In this way, it intends to analyze the
expression of the children's imagination in the drawings made in the school, propitiating
the construction of language, as well as the development of abstract thinking, in a way
that influences the acquisition of new knowledge, values, attitudes, skills and
techniques, way of acting, feeling and thinking, for effective learning.
Keywords: Imaginary. Childish drawing. Learning.
Introdução
A criança tem suas particularidades e, com elas, um jeito único de se comunicar
e enxergar tudo à sua volta. Neste sentido, o desenho é uma prática simbólica
composta de significantes e significados, relacionados diretamente com a expressão
do imaginário da criança e/ou da cultura em que ela está inserida e manifesta
fantasias, devaneios, lembranças, sonhos e até crenças não verificáveis. Tudo isso
abrange vários aspectos envolvidos na exteriorização de sentimentos que possibilitam
uma compreensão global da criança, oportunizando o entendimento das relações
consigo e com o outro. Este movimento é significativo para apreensão de novos
saberes.
Hoje, diante da evolução no contexto educativo, o nosso desafio é superar
antigos conceitos que implicam práticas limitantes. Nossa educação descende de um
modelo tradicional que persiste em transmitir conhecimentos de forma modeladora e
manipuladora, o que é preciso repensar para avançar nas fronteiras da aprendizagem.
Em relação ao desenho da criança, é comum a compreensão equivocada de
que se trata de uma simples atividade de passatempo. Trata-se, de fato, de uma
experiência rica em sentidos e constitui trocas de vivências relevantes ao
desenvolvimento integral da criança.
Esse estudo propõe uma pesquisa teórica, correlacionando conceitos a partir
dos autores Jean Jacques Wunenburger, filósofo francês, que defende ser o
imaginário uma instância produzida no coletivo a partir de um conjunto de elementos
simbólicos que expressam uma visão de mundo permeada de ethos (valores, ideias
e costumes), e Florence de Meridieu, uma especialista em arte moderna e
contemporânea que critica os métodos de ánalise do desenho infantil na perspectiva
da ideologia estética. O objetivo deste artigo é analisar a articulação entre o imaginário
e o desenho da criança, por meio de uma perspectiva interdisciplinar, considerando
esta livre expressão como fundante para a aprendizagem efetiva.
1. O surgimento do desenho infantil
Durante o processo histórico, houve significativa mudança no conceito de
infância. Esta era ignorada ou desarmoniosamente representada nas produções
artísticas medievais até por volta do século XII, “e até o fim do século XIII, não existiam
crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho
reduzido.” (ARIÈS, 1981, p. 18).
As primeiras hipóteses de representação realista da criança e idealização de
infância conferem à arte grega, porém os pequenos Eros retratados neste período
desapareceram da iconografia, incluso aos demais temas helenísticos e, por volta do
século XIII, apareceram alguns modelos de crianças semelhantes ao nosso conceito
atual.
Primeiro surge a figura do anjo, seguindo a imagem de um jovem adolescente,
frequentemente apresentado nas obras italianas de Fra Angelico, de Botticelli e de
Ghirlandajo, no século XIV. Depois, a limitação da representatividade da criança como
modelo ancestral do menino Jesus. E subsequentemente a fase gótica, que revela a
criança despida. Antes disso, estava representada sempre envolta em cueiros e
camisolas, entretanto, nesse momento, é retratada na versão nua e em contextos
representativos da morte. De acordo com Ariès:
O moribundo exala uma criança pela boca numa representação simbólica da
partida da alma. Era assim também que se imaginava a entrada da alma no
mundo, quer se tratasse de uma concepção miraculosa e sagrada ⎯ o anjo
da Anunciação entrega à Virgem uma criança nua, a alma de Jesus […]
(1981, p. 19).
O sentimento de infância ignorado no século XI, e reconhecido de forma rara
no século XIII, passa por um movimento de transformação. No período do século XIV,
o tema da infância sagrada já não garante as premissas sobre as crianças, isto
provoca uma transição e amplia a consciência coletiva neste momento histórico. É
fato que a mudança no conceito de infância se dá no século XIII, mas é possível
relacionar o seu expressivo desenvolvimento nas representações artísticas e na
iconografia nos séculos XV e XVI.
A criança integrava naturalmente o mundo dos adultos, conforme afirma o
referido históriador (1981). Na Idade Média, quando ela tinha o domínio das palavras,
por volta dos sete anos de idade, já estava pronta para realizar as mesmas tarefas
domésticas, trabalhos e jogos dos adultos, compartilhava da mesma literatura e
inclusive roupas, que limitavam os movimentos e suprimiam o prazer pelo brincar.
Essa percepção dispensava a necessidade de um tratamento exclusivo ou
caracterizado para o universo infantil.
No século XVII, em particular, as crianças nobres e ricas ganham trajes
diferenciados dos adultos. Isto fica evidente nas representações no princípio do
século. Contudo, suas roupas ficam mais leves e confortáveis, permitindo o ato de
correr, pular e extravasar os movimentos, de maneira que elas experimentem a
brincadeira com liberdade só no final do século XVIII.
Os jogos e as brincadeiras a princípio eram comuns a adultos e crianças,
porém, a partir do século XV, surgiram, nas iconografias, crianças brincando com
cavalo de pau, catavento, pássaro preso por cordão e raramente bonecas. Ponderase
que alguns desses brinquedos tenham surgido da necessidade de imitar os adultos.
Outros, no entanto, são brinquedos individuais que desprezam a relação das festas e
comemorações coletivas e sazionais, das quais crianças, jovens e adultos
participavam sem distinção.
De acordo com o historiador contemporâneo Van Marle: “Quanto aos
divertimentos dos adultos, não se pode dizer realmente que fossem menos infantis do
que as diversões das crianças”, afinal, como ressalta Ariès,: “É claro que não, pois
eram os mesmos!”. (1981, p. 50).
Vale referir que nas sociedades antigas, o trabalho não tinha a mesma
consideração do que os jogos e as recreações, todavia, em decorrência de mudanças
no comportamento social, os nobres adultos renunciam à prática dos jogos, que
passam a fazer parte das atividades do povo e das crianças das classes dominantes.
Neste sentido, é possível fazer relação entre a concepção de infância e a
compreensão de classe.
Outro ponto relevante neste processo de transformação de pensamento é o
que se refere à música e à dança. Os instrumentos eram comuns, mesmo entre os
mais pobres, e as crianças praticavam a música desde cedo. Assim também ocorria
com a dança. Telas e gravuras revelam crianças dançando agitadas e, nesse
momento, ainda não existe notável distinção entre o movimento dos adultos e o das
crianças.
Posteriormente, a dança coletiva é substituida pela valsa e isso muda a forma
de dançar e demanda uma nova prática de pares, na qual sobrevivem as rodas infantis
que conhecemos nos dias de hoje.
Durante séculos, a criança viveu inserida no contexto adulto e exposta a todo
tipo de assunto. Não existia uma separação racional sobre particularidades da vida de
adultos e a vida dos pequenos, considerados adultos em miniatura. Porém, no final
do século XVI, educadores com princípios morais não consentiam mais livros de
caráter duvidoso. “É dessa época realmente que podemos datar o respeito pela
infância”. (ARIÈS, 1981, p. 83).
O resultado desse sentido de inocência infantil defende uma conduta moral em
relação à criança. Assim, nesta direção, estudiosos, como Rousseau (1999), buscam
defender a criança como um ser pensante e criativo, com fases de maturação
específicas do seu próprio desenvolvimento. Este movimento despertou o interesse
de vários estudos em relação ao progresso infantil; dessa forma, o desenho da criança
serve de objeto de recorrentes pesquisas no final do século passado.
As primeiras investigações estavam relacionadas à psicologia experimental e
seguidamente contribuíram com a psicologia, a pedagogia, a sociologia e a estética,
e, de acordo com Florence de Meridieu, “praticamente todos os trabalhos sobre o
desenho infantil efetuados até hoje inscrevem-se numa ótica psicológica”. (1974, p.
61). Esses estudos tinham o objetivo de pesquisar a expressão da personalidade
humana.
Dentro deste trajeto investigativo, o desenho era compreendido como uma
tentativa de imitação da arte adulta, assim as garatujas e expressões espontâneas
das crianças eram vistas como fracassos ou rabiscos sem sentido, sinalizando que os
alunos deveriam ser treinados para se transformar em artistas no futuro.
Para Meridieu, “não existe visão verdadeira, e a visão adulta não pode de modo
algum representar a medida padrão. Portanto, não se deve reduzir os processos
infantis qualificando-os de “infantis” (1974, p. 3).
A criança não tem preocupação quando desenha. Luquet (1969, p. 15) ressalta:
“A criança desenha para se divertir”. Ainda segundo Meridieu (1974, p. 6), “na criança,
o desenho é antes de mais nada motor; a observação de uma criança pequena
desenhando mostra bem que o corpo inteiro funciona e que a criança sente prazer
nesta gesticulação”.
Assim, fica claro que o prazer pelo gesto predomina nas suas primeiras
experiências, é a partir da prática e mediação dos adultos, que as crianças vão
atribuindo valores estéticos às suas produções gráficas e estas passam a representar
as supostas competências para as suas criações artísticas. Vale perceber que,
conforme a criança cresce, ela diminui a agilidade na realização do desenho e, como
resultado, há produções mais elaboradas e aprimoradas, muito próximas da arte
adulta.
No encadeamento dos estudos sobre o desenho infantil, no que concerne ao
colorido, este não recebeu tanta atenção neste processo investigativo psicológico. Os
autores limitaram-se a pensar numa simbologia primária qualitativa, correspondente
ao comportamento emocional. Contudo, tal definição não sustenta o autêntico valor
das cores.
Quanto à consciência de espaço, Meridieu (1974, p. 43) aborda: “A avaliação
do espaço obedece primeiramente a imperativos que não são métricos, mas afetivos”.
A princípio, a criança não tem noção de espaço, alto e baixo, e esquerda e direita não
fazem sentido, ela não se preocupa com o espaço físico. Sobre isto, o que importa de
verdade é o valor afetivo que esta envolve em sua relação com o espaço ou objeto no
momento de produzir seus traços ou rabiscos. Salienta-se, também, que essa noção
de espaço se configura de maneira lenta e gradativa, é concebida, de fato, a partir do
momento em que a criança passa a se preocupar em representar o real.
Por acontecerem de forma simultânea a evolução gráfica e o desenvolvimento
psicomotor, deve-se compreender a criança como um ser em contínua transformação,
portanto, é preciso considerar tudo que diz respeito ao seu crescimento, sentimentos
e experiências.
2. Fases da evolução do desenho
Para apresentar as fases do desenho, consideramos os estudos dos teóricos
Jean Piaget, Bärbel Inhelder e Georges Henri Luquet, no propósito de compreender o
pensar na projeção artística da criança.
Quanto à teoria de Piaget, esta refere-se a quatro fases distintas, sendo elas:
realismo fortuito, realismo gorado, realismo intelectual e realismo visual.
O realismo fortuito estende-se dos dois aos três anos e meio de idade e
caracteriza-se pela realização de rabistos com o reconhecimento das formas. O
realismo gorado implica o período de três a quatro anos e meio de idade, demonstra
a incapacidade de simbolizar no desenho, ainda representados sem coordenação. O
realismo intelectual abarca a criança de quatro anos e meio até os oito anos de idade,
em que avança em relação as outras etapas, no entanto, ela não se preocupa com os
aspectos visuais. Seu desenho pode desconsiderar a ideia de perspectiva e a
transparência é outra característica presente. Já o realismo visual é uma fase que se
inicia por volta dos oito ou nove anos, fase em que fica claro que a criança já faz
relações métricas entre os objetos e tem noção de perspectiva visual.
Para Piaget e Inhelder, o desenho significa a imitação da realidade e encontrase
entre o jogo simbólico e a imagem mental. Neste processo, quando a criança
deseja apresentar um modelo, seu desenho torna-se uma cópia, ainda que não seja
uma reprodução idêntica da figura recordada.
Henri Luquet, filósofo francês, foi o precursor no estudo do desenho infantil.
Sua concepção teórica defende o ato de desenhar como uma representação da
realidade. De acordo com o autor: “O desenho infantil é realista pela escolha dos seus
motivos e também pelo seu fim” (LUQUET, 1969, p.124).
Neste sentido, ele define quatro estágios na evolução do grafismo infantil. O
realismo fortuito é o primeiro estágio e começa por volta dos dois anos, sendo
posterior à experiência do rabisco. A criança desenha sem a intenção de representar
determinado objeto, no entanto, pode descobrir por acaso alguma semelhança formal
com objetos da realidade, neste caso, ela nomeia o seu desenho. A fase do realismo
falhado ocorre entre três e quatro anos, quando a criança procura ser realista na sua
produção. Porém, as limitações físicas atrapalham a cordenação motora, o que
consequentemente resulta no sucesso ou fracasso dessa experiência. O realismo
intelectual, a partir dos quatro anos até por volta de dez ou doze anos, caracteriza o
desenho da criança não pela perspectiva do que a criança vê, mas pelo que ela sabe
sobre o objeto. Essa representação pode acontecer no plano deitado (objetos vistos
de cima) e a transparência ou representação simultânea, em que a criança mistura o
real e o abstrato, o que está fora e dentro do objeto. O realismo visual é um estágio
que se caracteriza na idade dos doze anos, no entanto é possível reconhecer esta
fase aos oito ou nove. Aqui opera a perspectiva da realidade visual, a criança tem a
preocupação em desenhar o objeto como ela vê e não mais pelas referências sobre
o que sabe sobre ele. Desta forma, o desenho tende a ficar cada vez mais próximo à
produção dos adultos.
Cabe ressaltar que estas fases não podem ser consideradas como regras. De
acordo com os estudos propostos, elas sugerem o nível de maturidade referente ao
desenvolvimento esperado para cada faixa etária.
Seguindo estas teorias, é possível verificar um avanço gradativo na
competência da criança em relação à produção do desenho. Meridieu critica esse
pensamento que leva à valorização do realismo visual. O autor vai além e ressalta:
“Tributário do adulto, a criança o é ao nível dos meios” (1974, p. 4). Este entende que
a criança é fruto das suas interações com o mundo adulto e suas expressões são
permeadas de afetividade e sentimentos. Em relação às noções de transparência e
plano deitado, os objetos têm representatividade diferente, o adulto vê o objeto de
forma distinta, já a criança atribui afetividade e convive de forma harmônica.
3. O desenho e a expressão do imaginário
Desde os primórdios da humanidade, o desenho serve como um meio de
comunicação. É mediante um esquema de representação que o indivíduo expressa
seus sentimentos, aspirações e torna-se capaz de comunicar-se. A prática do
desenho é um processo constante e extremamente dinâmico, revela o ser sensível,
inteligente, imaginativo da criança e representa o consciente e o inconsciente.
O sentimento presente no desenho pode ter para a criança a intenção de
deslocamento, ou seja, a distribuição da carga dos afetos ou rejeições para outros
sentidos. O grafismo infantil é capaz de remeter a lembranças e marcar de maneira
prazerosa o aprendizado. É possível reconhecer situações da vida e confrontar com
experiências pessoais trazidas de forma indireta ou simbólica.
De acordo com Piaget (1990), a expressão do jogo simbólico é a representação
do imaginário, no qual a fantasia predomina, contudo as atividades psicomotoras são
capazes de prender a criança no mundo real, eventualmente modificando sua vontade
a partir da sua imaginação. Portanto, a prática do desenho deve ser estimulada,
respeitando a sua realidade concreta e as suas relações com o mundo irreal.
Quando o assunto é imaginário, logo pensamos em algo que não existe de
forma concreta, ou seja, o irreal, a fantasia, tudo que é fruto da imaginação. No
entanto, o imaginário não se define numa única perspectiva, são várias as
interpretações consideradas pelos estudiosos de diferentes áreas de estudo, como a
antropologia, a hermenêutica, a psicanálise e os estudos da religião, entre outros. Um
dos maiores desafios na reflexão desse tema é clarificar as bases conscientes e
inconscientes da formação do imaginário. Mas, segundo o filósofo Jean-Jacques
Wunenburger, seguidor das teorias de Gaston Bachelard e Gilbert Durand,
pesquisador sobre as estruturas e funções dos mitos, das imagens e dos símbolos em
correlação ao pensamento científico, filosófico e cultural, imaginário é concebido
como: [...] um conjunto de produções, mentais ou materializadas em obras, com
base em imagens visuais (quadro, desenho, fotografia) e linguísticas
(metáfora, símbolo, relato), formando conjuntos coerentes e dinâmicos,
referentes a uma função simbólica no sentido de um ajuste de sentidos
próprios e figurados (WUNEMBURGER, 2007, p. 11).
Seus estudos versam sobre uma abordagem filosófica que compreende o
imaginário como um termo que “remete a um conjunto bastante flexível de
componentes” (WUNEMBURGER, 2007, p.7). Esta ideia enquadra pensamentos
religiosos, produções artíticas, concepções pré-científicas, ficções, ideologias
políticas e sociológicas, que se configuram num conjunto de imagens relacionadas,
que expressam pensamentos, sentimentos, aspirações e experiências dos seres
humanos. Acrescenta o autor:
Sob um duplo aspecto: por um lado, o imaginário é o espelho de nossas
emoções, aquilo em que nossas imagens refletem de fato o estado do nosso
corpo, de nossa constituição neurobiológica segundo o vocabulário atual; por
outro lado, o imaginário excita em nós ressonâncias interiores de prazer e
desprazer, pois uma imagem mental, assim como uma realidade externa,
pode provocar efeitos sobre a sensibilidade, agir sobre o humor, fazer nascer
sentimentos de tristeza ou de alegria (WUNEMBURGER, 2007, p. 66).
Na compreensão do imaginário como processo, a imaginação atua no sentido
de recriar as coisas do mundo, porém isso não declara absolutamente a veracidade
das explicações sobre a essência das coisas. Assim, as pesquisas sobre o imaginário
não buscam definir-se por coleções de imagens, metáforas ou temas poéticos, sua
intenção é constituir substrato para as expectativas e medos da humanidade, com o
propósito de que cada indivíduo se reconheça e se fortaleça na sua existência.
Nesta perspectiva, Laplantine e Trindade acrescenta:
O imaginário possui um compromisso com o real e não com a realidade. A
realidade consiste nas coisas, na natureza, e em si mesmo o real é a
interpretação, é a representação que os homens atribuem as coisas da
natureza. (2003, p. 28).
Dessa forma, o homem confere significados relacionando com a realidade, de
acordo a sua intencionalidade, e isso pode ocorrer de modo objetivo ou subjetivo. Este
imaginário situa-se no campo da interpretação e da representação, isto é, do real.
Frente aos desafios da contemporaneidade, procuramos novas possibilidades
para compreender e superar a realidade. É na imaginação que encontramos um meio
factível de nos aproximar do real, bem como entrever as coisas que sejam capazes
de tornar-se realidade. (LAPLANTINE E TRINDADE, 2003).
De acordo com o psicólogo russo Lev Semyonovich Vygotsky (1896 – 1934), o
poder da imaginação propicia o movimento criativo, próprio da personalidade infantil.
Desde pequena, a criança interage de forma objetiva nas suas relações, sob a
influência da sua cultura. É possível reconhecer toda forma de criação e imaginação
nas produções espontâneas inventadas pelas crianças.
Diante dessas considerações, o olhar pedagógico discorre sobre a
necessidade de favorecer a experiência da criança para estimular sua capacidade
criadora, visto que, quanto mais ricas forem as suas vivências, superiores serão as
habilidades criativas.
Sendo assim, a expressão da criança é revelada de diferentes maneiras, e a
prática do desenho suscita o simbolismo, a ludicidade, a representação e a
imaginação. Estes aspectos se configuram na promoção da comunicação e da
linguagem apresentadas nas experiências com a música, brincadeira, literatura e
especialmente com o desenho infantil.
4. O imaginário e a experiência da aprendizagem
A imaginação configura-se como uma capacidade psíquica desenvolvida de
acordo com as condições de interação oportunizadas ao sujeito desde pequeno.
Assim, a criação está presente na vida de todos, em maior ou menor grau, e faz parte
do desenvolvimento infantil.
Uma das características principais das crianças é o interesse espontâneo que
demonstram pelo desenho, a sua inacreditável capacidade imaginativa enquanto
realizam suas produções gráficas.
Na criança, é possível perceber as contribuições do processo de socialização
na interpretação consciente do imaginário, suas experiências regulam as perspectivas
da coletividade. A capacidade imaginativa alimenta-se especialmente dos
movimentos da arte e da literatura e, nesse rumo o desenvolvimento da capacidade
intelectual é favorecida.
É pertinente ressaltar que as referências imagéticas apresentadas na infância
são construídas na base do imaginário coletivo, deste modo, o modelo apresentado
no processo evolutivo da criança conta com direcionamentos de comportamentos
descomplicados, para assim evitar angústias e frustrações, no que tange ao
desenvolvimento da aprendizagem infantil.
Os estudos de Vygotsky sobre a construção da aprendizagem fazem relação
entre o desenvolvimento intelectual da criança e as suas experiências sociais. De
acordo com essas pesquisas, é possível encadear o exercício criativo e os processos
imaginativos com o desenho.
Esta prática deve respeitar a lógica esbalelecida pela criança de acordo com a
sua fase de desenvolvimento, de modo que ela seja capaz de expressar seus
pensamentos e sentimentos de maneira espontânea. “No desenvolvimento da criação
artística infantil, inclusive a plástica, é preciso seguir o princípio de liberdade que é a
condição imprescindível de qualquer criação”. (VIGOTSKY, 1990, p. 117).
Além disso: “A criação de uma personalidade criadora, projetada para o futuro,
é preparada pela imaginação criadora que está incarnada no presente”. (VIGOTSKY,
1990, p. 122). Esta teoria reafirma a necessidade de favorecer situações que
desenvolvam a capacidade criativa das crianças.
Viktor Lowenfeld também contribuiu com os estudos sobre o grafismo infantil.
Ele considera as respectivas fases do desenho conforme Luquet e Piaget e, de acordo
com estudos neste campo teórico, o autor complementa que as crianças ficam mais
à vontade quando têm autonomia para desenhar e são protagonistas da sua cena,
quando não são julgadas ou direcionadas por um adulto.
O autor declara: “a arte pode constituir o equilíbrio necessário entre o intelecto
e as emoções”. (LOWENFELD, 1977, p. 19). E reitera: deve haver equilíbrio entre a
apropriação do saber e a capacidade de relacionar-se com o próprio ambiente.
A partir desta reflexão, Lowenfeld (1977) traz algumas sugestões para os pais
realizarem com as crianças a fim de estimular a prática do desenho. Essas
orientações podem ser consideradas também em espaços educativos para favorecer
o desenvolvimento da criatividade e o estímulo da expressão infantil. São elas:
compreender que o desenvolvimento da criança se dá durante as suas experiências
práticas; provocar um olhar sensível nas crianças em relação ao ambiente; valorizar
a dedicação da criança em transmitir sua própria experiência; entender que as
proporções “erradas” fazem parte da experiência da criança; compreender que a
percepção da criança é diferente do adulto; orientar as crianças sobre o respeito às
manifestações de arte dos outros; expor os trabalhos das crianças somente quando
todos puderem participar; consentir que a criança experimente as suas próprias
técnicas.
Estas orientações valem para diferentes contextos, tanto em casa, como na
escola, espaços em que a criança tem mais contato com situações favoráveis ao seu
desenvolvimento. A expressão gráfica é de extrema importância neste processo de
interação e contato com o outro. De forma espontânea, ela revela no desenho
substratos do inconsciente e manifesta seus sentimentos, medos e pensamentos, de
maneira que isso favoreça a formação de sua consciência na relação com o mundo.
Considerações finais
O presente estudo buscou trazer contribuições relevantes para a experiência
da aprendizagem da criança. Procuramos, por meio dos estudos do imaginário,
qualificar a importância desse processo construtivo da arte para a formação integral
da criança. A ideia de suprimir as fantasias, as crenças, os fantasmas que venham a
ocupar o pensamento humano não se sustenta, pois o produto da imaginação é
justamente o resultado de traços indefinidos do conhecimento sobre a realidade.
Visto que a criança interage com o meio, desde o seu nascimento, e este atua
na sua realidade, as representações simbólicas agem nas manifestações do brincar,
da imitação, da linguagem verbal e o do desenho.
Compete a nós ressaltarmos a importância da hermenêutica dos símbolos para
a aprendizagem, já que o desafio do educador é favorecer a construção do
pensamento subjetivo de forma criativa e sadia. Toda produção humana, teórica ou
prática, é orientada pela imaginação criativa, uma vez que esta encontra-se na matriz
dos processos da consciência, sendo então o grande desafio dos profissionais
envolvidos na educação.
Quanto ao desenho infantil, fica clara a expressão do imaginário. A criança
começa seus primeiros traços a partir daquilo que ela sente e sabe sobre o seu objeto
(imagem), de forma espontânea e prazerosa, para isso ela utiliza seus modelos
(imagens mentais), tudo aquilo que foi produzido no seu meio social, levando em
consideração crenças, valores e representações enraizados naquela sociedade.
Portanto, esta vivência deve ser mediada com sensibilidade, longe de
julgamentos estéticos, reguladores dos adultos. Conforme a criança vai crescendo,
ela fica mais preocupada com a qualidade de suas produções, isso porque vê no
adulto o modelo ideal, ou seja, quando mais próximo da representação da realidade,
mais bonito ou melhor está o seu desenho. Caso a criança não apresente esta
competência, naturalmente ela vai perdendo o prazer, a motivação e o interesse em
desenhar.
Também, devemos cuidar para que estes momentos não sejam só oferecidos
como passatempos, temos que dar liberdade à sua expressão, mas, ao mesmo
tempo, garantir que a criança explore e tenha vivências ricas em sentidos e
significados.
É importante não submeter o desenho a análises isoladas. É preciso considerar
a idade da criança, a sua personalidade, o seu desenvolvimento cognitivo, o seu
histórico de desenhos e o seu contexto social. O desenho é uma importante
ferramenta para a autoexpressão e para o desenvolvimento da capacidade criativa.
Nesta linha, é preciso planejar e oferecer diferentes espaços e tipos de
materiais para as crianças experimentarem, pois estas possibilidades ampliam o
repertório de vivências e o desenho estimula a exploração do universo imaginário e
ainda favorece diferentes operações mentais, como selecionar e relacionar estímulos,
simbolizar e representar, tudo o que incita a formação de novos conceitos.
Todas estas perspectivas convergem para a qualidade do trabalho
interdisciplinar entre o desenho da criança e a construção do imaginário na formação
da aprendizagem efetiva.
Referências
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